segunda-feira, novembro 26, 2012
primavera
Eu sei que você tem que ir, meu amor. Soube disso a partir do momento em que não te flagrei mais me observando quando eu estava concentrada em alguma coisa ou simplesmente enquanto assistíamos TV. Seus olhos eram cheios de curiosidade e certa admiração quando eu os encontrava. Você parecia fascinado pelo simples fato de eu estar ao seu lado. E então você ria, desviava o olhar e suas bochechas rosadas chegavam a um tom de vermelho-vergonha. Eu não queria que você sentisse vergonha por ter sido pego me observando. Me fazia sentir amada, me fazia sentir como se eu tivesse um propósito por estar viva. O propósito era você.
Eu sei que você tem que partir, meu amor. Mas desde quando isso significa que não vai doer nada simplesmente soltar a mão que já segurou a minha com tanta segurança, a mão que me trazia proteção? Vai doer sim, de fato já dói, e mesmo após folhear tantas páginas de tantos livros e de pesquisar na internet, ainda não achei um remédio que possa aliviar essa dor.
Eu sei que você tem de juntar suas coisas, mas por favor, deixe na gaveta aquele seu moletom que já vesti tantas vezes que nossos cheiros estão misturados. Cheiro do seu perfume de marca e do meu shampoo de chocolate e de abraço no sofá e da estação em que nos apaixonamos. Cheiro de primavera.
Eu juro que vou cuidar bem do seu moletom, e que vou guardar no peito as suas palavras de consolo logo antes de sair porta afora. Mas você nem imagina. Que levou na tua bagagem um pedaço da minha alma, que deixou um apartamento vazio e um coração partido cujas peças eu ainda não entendi como montar, você nem imagina.
Eu sei que você tem que ir, meu amor. Mas promete que, quando a primavera chegar, você vai sentir o meu cheiro e vai lembrar daquela tarde de sol em que nos apaixonamos. Promete que vai lembrar, mesmo que não tenha mais o moletom.
terça-feira, novembro 13, 2012
oposto
Eu odeio você. Sinto muito por começar dessa maneira, mas tenho guardado palavras que estão na ponta da língua há tempo demais pra contê-las agora que estou aqui, sozinha no meu mundo, um mundo onde ninguém vai me julgar se eu disser que te odeio um milhão de vezes, nem mesmo você.
Eu odeio você de novo. Qualquer um pode e deve estar agora imaginando uma grande variedade de motivos pra todo esse ódio, discussões grotescas, xingamentos e quem sabe até maus tratos. Mas não. Deus, ninguém há de imaginar... Ninguém há de imaginar que o motivo é simplesmente o fato de você ser você.
Exatamente. Pode ajuntar seu queixo do chão agora porque eu ainda tenho muito o que falar.
É até irônico que eu tenha vontade de te bater ao invés de te abraçar quando você abre esse seu sorriso maravilhoso cercado por covinhas que parecem um ótimo esconderijo pra quando eu tiver algum dos meus medos idiotas.
Eu tenho medo de me apaixonar. Tenho pavor de acabar machucada como todas as outras vezes no meu passado obscuro que preferi trancar em uma caixa e enterrar em um lugar seguro antes mesmo de começar esse texto. Não posso me dar ao luxo de permitir que alguém descubra as lembranças que me fazem chorar antes de dormir, tudo o que me faz parecer uma garotinha indefesa. Não gosto dessa ideia. Prefiro pensar em mim mesma como alguém que simplesmente sabe o que quer da vida e tem muito bem a habilidade de se proteger sozinha. Esse deve ser outro motivo para eu te odiar tanto assim.
Odeio quando você me olha com esses olhos castanhos claros que me dizem ao contrário das suas atitudes. Qual o seu problema em fazer o que pensa? Odeio pessoas que têm medo de libertar a si mesmas. Faz-me passar horas imaginando o que aconteceu pra você ser assim. Por Deus, você é o homem dos meus sonhos, e por mais que eu odeie também admitir isso, eu tenho medo de que você seja ainda mais machucado do que eu. Como posso suportar o peso de outra alma danificada quando meu corpo já está doendo por carregar a minha? Eu odeio você!
Não gosto de quem me dá só metade da atenção. Eu quero que olhe em meus olhos enquanto estou falando, quero que preste atenção em cada palavra que eu disser e depois me responda com o que quero ouvir. Você é exatamente o contrário disso. O modo como dá ouvidos mesmo quando está concentrado em alguma coisa e então demora a responder com o completo oposto do que eu esperava me deixa louca.
Então por que chamas tanto minha atenção? Parece que a gravidade age ao extremo quando eu e você estamos no mesmo lugar. Não sou capaz de tirar meus olhos de você e você não para de olhar pra mim, mesmo tendo que dar atenção a outros. Tenho medo do quão seguro você parece enquanto fala com eles, e receio que talvez não seja medo e sim inveja. Eu queria ter essa segurança. Talvez seja por isso também que me deparo fascinada.
Mas eu ainda odeio você. Nunca vou te perdoar por ser tão incrível e mesmo assim faltar com tantas das características que acho necessárias. Você devia ser mais atencioso. Você devia olhar nos meus olhos. Você devia ter atitude. Você devia chegar, abalar minha estrutura sem o menor cuidado e fazer com que eu desenterrasse a minha caixa e te mostrasse meu verdadeiro eu. Você devia me proteger. E o mais importante de tudo: você devia ser meu.
domingo, novembro 04, 2012
jogo injusto
Cresci ao redor de brigas, gritos, insultos, e um enorme balde de água fria logo me fez perceber que o amor é nada mais do que um jogo. Um jogo de dois participantes que estão constantemente tentando eliminar um ao outro. Essa é a única reciprocidade a que fui apresentada.
Que culpa tenho eu por ter feito essa escolha? Sou participante desse jogo e também quero ganhar. Desejo a vitória tanto ou mais do que o cara com corpo e rosto de modelo deitado ao meu lado, parecendo estar em um sono profundo.
Penso que seria fácil permitir apaixonar-me pelo modo como fios de seu cabelo castanho e macio caíam sobre sua testa; o modo como seu peito subia e descia lentamente em uma calma respiração. Poderia apaixonar-me pelo fato de estar assistindo-o em seu momento de maior vulnerabilidade. Mas a baixa e seca risada que escapa de meus lábios faz dar-me conta do quão ridículo é o caminho que meus pensamentos estão fazendo. É claro que eu poderia apaixonar-me por ele; poderia ter-me apaixonado por tantos outros que passaram por minha vida. Seria fácil simplesmente deixar que as coisas acontecessem da maneira natural, mas por que estragar a diversão?
A diversão de conhecer alguém diferente, de conquistar, de conseguir o que quer e de ter a adrenalina de fugir antes que ele acorde. Por que desperdiçar isso? Por uma ideia falsa de "felizes para sempre"? Para sempre não existe, e muito menos ser feliz para sempre. Não. Eu não acredito nisso. Não acredito que seja possível encontrar uma pessoa e com ela permanecer por todo o tempo que é o para sempre. Eu estou vivendo o amor pelo seu prazo de validade.
Não quero me prender ao futuro. Eu gosto do agora, do viver ao máximo, da liberdade. Liberdade. Sim, de ir e vir, de tomar as decisões que quiser sem ter que se preocupar em como isso vai afetar os que estão ao seu redor. Ora, a única pessoa com quem você tem que se preocupar em relação a consequências é consigo mesma.
Com a necessidade de ter tal liberdade novamente me sufocando, apago o cigarro que estava entre meus dedos e me visto calma e silenciosamente, ainda observando o homem adormecido. Ele havia sido gentil, simpático e divertido de estar por perto, e eu acreditava que um dia, talvez, ele encontraria alguém pra enganar com um anel de diamantes e o sonho de uma vida feliz. Essa pessoa não seria eu.
Ajeito meus fios desgrenhados com os dedos, removendo o rímel que havia sujado logo abaixo de meus olhos. Antes de sair, faço questão de passar batom vermelho e deixar um beijo no espelho sobre a pia do banheiro, tendo em mente que ao menos esse gesto faria com que ele sorrisse e se lembrasse do curto romance que vivemos com carinho. Eu me lembraria de tudo assim. Sorrindo e com os sapatos de salto alto pendurados em uma mão e a bolsa na outra, saio pela porta sem pensar duas vezes. Mais uma partida ganha.
A próxima, por favor.
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